Um dia então meu irmão morreu.
Morreu de uma dor inesperada que lhe corroeu as entranhas e lhe levou para um mundo desconhecido onde anjos endiabrados corriam na frente das nuvens com uma maquina de realejo nas mãos.
Eu tinha sete anos e vi no caixão uma criança vestida com uma camisola de anjo, bordada com pontos paris feitos por minha mãe, que teceu esta mortalha sentada no jardim, em frente ao instituto medico legal, enquanto esperava a liberação do corpo da sua pequena cria.
Ela costurou cada ponto com uma lagrima e elas estavam todas lá, jorrando do caixão entre as pequeninas mãos de unhas pintadas de cor de rosa, que eu mesma havia pintado na véspera.
Éramos crianças sem brinquedos. E também não tinhamos sexo.
Pintar as unhas era um passatempo que inventávamos nas tardes que não tínhamos nada para fazer com a única coisa que tínhamos para fazer.
Mas meu irmão estava morto e fechado o caixão, minha mãe partiu, enterrada viva, junto com ele.
Eu e minha irmã, ficamos órfãs de mãe para sempre.
Ela nunca mais sorriu daquela maneira doce, nunca mais pintou os olhos, nunca mais soltou os longos cabelos...
Ela pranteou essa morte desde do momento que a previu.
Seus olhos mortiços de perda nos acusavam silenciosos das nossas desgraçadas existências que a acompanhariam durante toda a nossa vida.
Ficávamos ali a espreita de sermos notadas.
Ficávamos ali, rejeitadas como cães de rua, desentendidas da morte, fugindo para uma nova vida onde as perdas seguiriam constantes.
E nas noites que tínhamos medo da alma penada de meu irmãozinho, corríamos para a sua cama e ela nos expulsava aos gritos de desespero.
Aquele lugar tinha dono.
Aquele lugar teria dono para sempre.
Éramos intrusas num mundo forjado de muros e aços, onde a alma penada do meu irmãozinho habitava num limbo de amor e memória.
Dormíamos então, eu e minha irmã, enrodilhadas num colcha maltrapilha no chão, até que o dia chegasse e parasse de nos assombrar.
Essa rejeição me custou caro.
Por conta disso aprendi a roer as unhas no sabugo até que elas não parassem de sangrar..
Tornei-me gaga da noite para o dia, e as palavras nunca mais se consertaram dentro de mim.Se exilaram num mundo de sombras e medos aflitivos que me enganavam e custavam a vir à tona.
A única coisa que me sobrava era correr contra o vento abrindo e fechando a boca sem parar, provocando a libertação das palavras que só vieram o anos mais tarde, quando desamparada da vida e sufocada da morte, encontrei a poesia.
Que bela obra, poeta...meus cumprimentos pela singular obra prosa poética...Se um dia quiser um chá, sera bem recebida em elizdelia.blogspot.com.
ResponderExcluirObrigada querida, vou sim....
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