>"Tempus Frigit"


Outro dia lendo um texto do Rubens Alves, algo remexeu dentro de mim.
diga-se de passagem, os textos que leio ultimanente tem mexido muito comigo, seja a filosofia de Nietchze, seja uma poesia da Adélia, ou mesmo um texto teórico de educação.
Fatalmente acabo em lágrimas.
Fico elocubrando, elocubrando...
E uma sensação estranha vai surgindo, um sentimento novo, que tenho chamado de maturidade.
Bem, voltando ao texto do Rubens.
Ao lê-lo,lembrei-me de um fato da minha infância, não sei se pode ser chamado de brincadeira,ou um caso psicótico grave. Mas enfim, aconteceu comigo.

Fui um menina pobre criada sem bonecas. Nem uminha para contar a história.
Ganhei minha primeira Susi, aos doze anos e não sabia muito bem o que fazer com ela.

Preferia minhas bonecas de papel que recortava das revistas da minha tia e passava horas brincando com elas.
Minhas bonecas e bonecos, eram membros de famílias com nome e sobrenome e eram muito interessantes e versáteis.
Elas tinham um mundo de móveis, roupas, sapatos,cintos.Tudo cortado das revistas Desfile,Manequim, Claudia e Nova.
Minha tia Ecy que era a infeliz proprietária das revistas, quando via o estrago que eu fazia,quase infartava.
Ela coitada, era assinante e colecionadora destas revistas de mulherzinha.Sou uma expert nestas revistas anos 70 e 80.

Levei muitas surras de minha mãe por conta disso, mas não tomava vergonha na cara.

Era uma fixação. Eu adorava bonecas de papel.

Tinha bonecas e bonecos de todos os tipos, etnias,que moravam em diferentes partes do mundo, tinham diversas profissões e faixas ecônomicas, mas eram todos bons amigos.

Para vocês terem uma idéia, tinha uma família que o pai era o Massimo Ciavarro
(quem leu novelas Contigo em preto e branco sabe de quem estou falando), ele era o dono da Coca Cola ( pasmem!)casado com a Lyna( que era a cabeça de ninguém menos que Farrah Fawcet Majors) e tinha oito filhas entre adotadas e biológicas todas com nomes que começavam com M( Melissa, Melody, Melinda, etc..)
Essa era apenas uma das famílias.
Relatei essa familia, porque até eu não me aguento!

Eu guardava as cabeças dentro de um caderno pequeno. E as roupas de tamnaho padronizado eram guardadas dentro de um caderno grande divididas em blusas, saias, calças compridas, acessórios, roupas de night,bolsas, e pernas, muitas pernas com shorts e sapatos.Tudo muito organizado.
Eu colava tudo com cuspe.
A blusa na cabeça, a saia na blusa e os sapatos na saia ou vestido.
Se a blusa tivesse braços tudo bem. Se não, eu imaginava que tinha.

Não dá para explicar muito bem como era isso.

De vez em quando pintava umas bonecas de papel nas bancas, tipo essa que ilustra o post. Tive uma dessas, mas não gostava. Era de desenho,grandona, impraticável de brincar, porque o pescoço quebrava e tinha que colar com papelão.

Por isso é que eu gostava de coisa "viva" de revista.Dei logo um fim nela.

Mas havia algo proveitoso nisso tudo.Eu lia muito.

Eu precisava analisar a revista e ver se não ia cortar algo importante.Por isso a primeira regra da brincadeira era olhar atrás da página desejada e ler.

Posso dizer que minha cultura informativa geral vem disso aí.

A revista Nova era um manual maravilhoso.

No final da decáda de 70, com a Abertura, começou a discutir questões do feminismo e de divórcio.

Me envolvi tanto nesta questão que acompanhei desde muito pequena toda a discussão da lei do divórcio no Brasil. Não entendia porque era tudo tão complicado.
Na minha cabeça tudo era simples. Casou, não gostou, descasou. e ponto final.

Ainda me lembro que a palavra divorciada era dita aos sussuros na minha casa, para não magoar minha tia Ecy que estava recém "separada".

Eu fuçava tudo e lia tudo sobre sexo e relacionamento, mesmo não entendendo P. nenhuma.

Hoje em dia assino a revista Nova em memória àqueles tempos.

Eu só consegui jogar minhas bonecas fora depois que meu primeiro filho nasceu. Eu tinha 27 anos.

Posso dizer que aprendi a lidar com o mundo através dos sentimentos das minhas bonecas e bonecos, com seus casamentos e divórcios, com seus amores bem sucedidos e seus amores desfeitos, com suas mortes,(que aconteciam, quando ocorria alguma fatalidade como alguém pisar neles e rasgar)
Nesse mundo de faz de conta torto, cresci e me fiz mulher.( na verdade, nem sei bem como. Depois que acabei de escrever isso, estou me sentindo terrivelmente anormal, com algum distúrbio pisicológico seríssimo)

Mas que eu me arrependo de ter jogado minhas bonequinhas fora, ah isso eu me arrependo!.

Hei! vocês viram a Jú por aí?

Meus deuses! Não é que a garota tá picando as minhas revistas Nova?

É o ciclo da vida.

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