quarta-feira, 7 de abril de 2010
mexico, 2004
Em 2004, fiz minha primeira viagem para o exterior.
Eu tinha lido na internet que iria acontecer um congresso de mulheres poetas que se reuniam todos os anos num lugar chamado Pais de las Nubens. Bastava enviar um material para avaliação e se por acaso a poeta fosse escolhida, teria hospedagem e alimentação garantidas na velha cidade do México.
A viagem consistia em sair falando poesia em alguns pequenos povoados, em Oaxaca, e tudo terminaria 15 dias depois no Palácio das Bellas Artes, na Cidade do México.
Fantasticamente, meu material foi escolhido e sem grandes ambições, (pois eu estava assim, em meio a mais uma daquelas fases de transformação), me vi viajando para o México, com uma coletânea de poesias recém editadas na gráfica de um amigo meu, em Mesquita.
O livro é o Na Rota.
Um livro com uma capa que valha-me deus! Olhando daqui, eu não sei como tive a coragem de levar este livro para o México. Se eu tivesse sido mais rigorosa comigo mesma, nunca teria pegado aquele avião...
Mas eu peguei.
Lá fui eu, com meus exemplares de poesias recém nascidas de um jejum poético de mais de dez anos.
Poesias que não me envergonho, eu juro, mas que deveriam ter ficado mais um tempo no forno, adquirir mais consistência,mais cor, mais poética, sei lá.
Mas eu já estava lá, e como dizem por aí, não adiantava chorar sobre o leite derramado.
Talvez minha preocupação fosse tanta que o cara da alfândega que carimbou meu passaporte, me mandou direto para o DP da policia federal mexicana.
Fui interrogada por um policial esquisitão, bigodudo a lá seu Madruga, e que teve a indelicadeza que querer ver o dinheiro que eu trazia na bolsa.
Sem receio nenhum, o coloquei em seu devido lugar.
Mas quanto mais eu falava do congresso e de suas condições, mais ele me olhava maliciosamente.
Até que eu saquei da minha maleta, o livro de capa esquisita e conteúdo duvidoso e lhe falei que na terça, 16, iria falar minhas poesias no Pallacio das Bellas Artes.
Após essa informação as portas do aeroporto se abriram para mim.
Depois descobri o porque. É que o Pallacio das Bellas Artes, é um orgulho nacional, uma opéra house onde os maiores artistas nacionais e internacionais se apresentam.
Todo em mármore carrara branco, o teatro tem murais lindissimos de Diego Rivera, Rufino Tamayo, David Alfaro Rodrigues e José Clemente Orozco.
Belissímos de doer a alma.
Depois do aeroporto saí batida para o hotel e ainda indignada com o tratamento que tinha recebido, tive que aturar o taxista, que descobrindo minha nacionalidade, passou a corrida inteira me convidando para sair aquela noche para bailar...
Olha, quase esganei o sujeito.
Descobri rapidamente o valor tão falado da mulher brasileira no mercado internacional.Era mais fácil falar que eu era do Timor Leste, pois assim ficava livre dos olhares perdulários que caiam sobre mim, como urso no mel.
Chegando ao hotel, conheci minhas amigas que iriam estar comigo nos dias que viriam.
A inesquecivel Vilma Brugueros que o câncer levou em 2008, Raquel Martinez, Nana Rodriguez, Graciela Genta, Elza Ruiz, querida, Luisa Chiqui Vicioso, Soledad Altamiro, a doce e louca Veronica "De Nadie" Duran, Violeta Pujols, Magdalenas Fuentes, Diana Vallejo, as modernas Jessica Pìedras e Patty Blake, a intensa e bella Lina Zéron ....
Partimos dali para a poesia.
Ficamos hospedadas em casas de pessoas modestas, mas que se habilitaram junto à Conacultura, para nos receber, as poetas, que somos vistas como umas espécies de deusas por lá.
E viajamos de ônibus, carro, falando poesia em creches e aldeias, bibliotecas e centros culturais, praças e igrejas, bares e ruas, escolas e clubes, palácio das artes e casas de camponeses .
Foi uma empreitada única.
Olhando daqui, eu tive muita coragem mesmo.Viajar sozinha, para um pais diferente, arranhando um espanhol abrasileirado, sem conhecer absolutamente ninguém, nem a veracidade do concurso...
Essa viagem poderia ser a maior furada da minha vida, mais não foi.
Teve burrito, tacos e muito mezcal, um frio desconhecido para mim, danças caribenhas, sustos no meio da noite, bandas marciais, muitos pores do sol, cervejas Sol, almoço ao ar livre, poesias ao vento, cantorias na madrugada, conversas no meio da noite, e muito, muito chili na cabeça.....
Foi tudo lindo e intenso. Produzi muito, conheci lindas pessoas, lugares encantandos como Mitla.Aprendi um tanto que guardo até hoje.
Durante o encontro, muitas poetas me perguntaram se eu fazia taller de poesia.
Eu nem sabia o que era taller. Taller pra mim, é um terninho chiqui. Portanto quando elas descobriram que eu compunha como dom, sem regras, apenas sentava e deixava acontecer, elas ficaram estarrecidas. "Mas você não faz taller, não publica?" "Não e não".
Foi dificil explicar que eu escrevo poesia, porque escrevo, que é assim desde que eu tenho oito anos de idade.
Não sei se elas me entenderam, ou se me acharam uma louca, mas o fato é que essa minha "inocência" quase estóica me rendeu lindas amizades,como Veronica Duran, ou Veronica de Nadie, outra poeta nascida do dom.
Muitas de nós, se reencontraram novamente durante estes anos, na Argentina, no Uruguai, Cuba, Santo Domingo...
E sempre que podemos, trocamos mensagens pelo msn e outras redes sociais.
Na verdade, formamos redes de afeto, e nos preocupamos umas com as outras, não apenas quando o país de uma poeta sofre um golpe politico ou acontece um terremoto. Somos ligadas por um elo muito bonito, chamado amor.
Ao trocarmos e-mails no ano passado, algumas de nós, inclusive eu, manifestamos o desejo de nos reencontramos em 2014, quando farão exatamente 10 anos do nosso primeiro encontro na velha cidade do México.
E vai ser maravilhoso voltar a Oaxaca, essa cidade única, de posse de mim mesma, com uma bagagem mais apurada, ainda achando que taller é terninho, porém com outras vivências, alguns prêmios e o reconhecimento de um pequeno e fiel público que hoje me acompanha e com quem eu compartilho meu trabalho.
Vai ser bom como foi. Ou talvez seja bem melhor.
Essas são as minhas façanhas.Qualquer dia desses coloco minha memória para trabalhar novamente.
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