quarta-feira, 3 de setembro de 2008

penelope e odisseu



Eu fui convidada pelo pessoal do ABRACE que é um movimento literário poético para fazer parte de uma antologia sobre Mitos e Lendas Clássicos.

Me afundei até o pescoço de pesquisas, para ver se descobria alguma coisa legal e tive que colocar essa cachola oca pra funcionar.

Nas pesquisas, sempre me deparava com Penélope.
Não resisti.
Fiz esse conto, porque sou meio inconformada com essa história de amor e de espera infindável... algo muda dentro da gente, não adianta.
D. Neli minha mãe, diria que isso não é novidade nenhuma...


Penélope e Odisseu

Penélope caminhou novamente até o penhasco de onde podia olhar amplamente o mar.
Por onde andaria Odisseu?
Já havia se passado tantos anos desde que ele se fora mar à fora.
E ela ficara ali.
Sozinha.
Tendo que lidar com os afazeres da casa, com a criação do filho, com os cobradores, inimigos e ainda por cima com aquela corja de velhos e indefectíveis sábios querendo vê-la pelas costas a cada passo que dava.
Viviam lhe cobrando decisões que julgavam imprescindíveis, e migalhas de atenções pessoais.Ela não era ingênua, e oh! Como odiava tudo aquilo!
Sua condição de mulher sozinha instigava os homens à procura de tentações, pois ela mesma, não as tinha mais.

O tempo passava, e Penélope bem o sabia.
Há muito tempo havia perdido a beleza fresca, e com ela, os desejos carnais foram abrandados.

Agora nada mais eram que uma brisa fresca de verão.

Ansiava apenas por um homem: Odisseu.
Mas se ele não estivesse no reino profundo da morte,velando com Hades a eternidade, com certeza saciado de aventuras devia passar suas noites entre as pernas de uma vagabunda qualquer.

E ela ali...Tanto tempo...

Seu corpo bem o sabia.

Sentia falta das mãos de um homem, do toque suave em seus cabelos.

E por mais que tentasse, e que sua língua lhe cobrasse, ela não se lembrava mais do gosto de Odisseu.

Por onde andaria Odisseu?

Diante de seu intrépido futuro, Penélope aprendera a não temer a solidão.
Antes pelo contrário, acostumara-se a ela.
A lida do dia a dia foi modificando-a lentamente...
Estava mais forte, não tinha tempo para queixas.
As decisões não esperavam por dias melhores, resolver problemas, dar conta das coisas, era isso que todos esperavam dela.

Mas no fundo, sabia-se frustrada.

Era mulher e ansiava....

O que adiantava viver numa relação onde se estava sozinha?

Por onde andaria Odisseu?

Estaria vivo, morto? Quem sabe cego ou desmemoriado?

Seu sogro e a corja a que ele era subordinado queriam que ela escolhesse um novo marido.

O Estado não podia esperar mais.

Mas como cumprir com essa obrigação?Como poderia viver sem amor?

Como poderia viver ao lado de um homem que não fosse Odisseu?

Quando acabasse a mortalha de seu homem morto, ela então se casaria.

Com os olhos postos no horizonte, começou a tecer a mortalha com a manhã.

Nestas funestas horas, entendia que era preciso se casar novamente, era preciso acatar a decisão dos sábios anciões. Era preciso...

Mas quando a noite chegava, com desvairada loucura, negava a vida e a morte desfigurava a mortalha com ira de mulher ferida, sentia-se preterida, humilhada e então deixava cair sobre o colo, lágrimas amargas.

Rasgava pequenos pedaços do tecido como se fosse a carne morta de Odisseu....

Precisava ganhar tempo.
Por onde andaria Odisseu?

Quando sua farsa não foi mais possível, ela teve outra idéia.

Quem quisesse casar com ela, teria que ultrapassar com uma flecha vários machados enfileirados.

Um a um, muitos homens tentaram.
Nenhum entretanto conseguiu realizar a proeza.
Em seu intimo, Penélope regozijou-se.

Ninguém conseguiria essa façanha, porque apenas um homem seria capaz...

Por onde andaria Odisseu?

Muitos dias se passaram até que um pobre mendigo pediu para atirar a flecha nos machados.
Todos riram da tamanha ousadia.
Mas eis que o mendigo, na primeira tentativa conseguiu aquilo que vários homens tentaram em vão..
O coração de Penélope parou.

Odisseu!
O rei voltou! E naquela mesma noite foi dormir com sua esposa.

Foi então que Penélope descobriu-se dona de uma mágoa sem fim. O cheiro do corpo do seu homem não mais a agradou.

A mágoa borbulhava e antes que a manhã chegasse alcançou a borda.

Afinal, por onde andou Odisseu?

Ele a havia abandonado a própria sorte, roubou-lhe seus anos de juventude, tirou-lhe sua paz, sua alegria, roubou-lhe seu sorriso....

E o rei, acostumado a liberdade como o vento, sentiu-se tonto ao prever anos de rotina.

Fora um tolo ao voltar. Devia ter fincando sua âncora em alto mar.

Exasperou-se ao olhar para o lado. Será que Penélope lhe fora fiel?

A manhã colhia a imperfeição dos traços de sua esposa. Ela já não tinha a beleza que tanto o encantava.

E havia algo mais.Ela estava mudada.

Independente, já não obedecia como antes, calada já não ardia em seus braços.
Dona de um mistério insondável, em seus olhos, sua crítica o amaldiçoava .

Passara tantos anos deliciando-se com incontáveis aventuras nos mares e nos braços de tantas outras mulheres que já não era mais possível assentar em um só lugar, com um só coração.

Já não lhe era possível acatar tantas cobranças.

E quando tão logo terminou as guerras internas ocasionadas pela sua volta,Odisseu partiu para novas aventuras.

Penélope não foi se despedir dele no cais.

Já não lhe era possível acatar tanta submissão.

Que o rei partisse em paz.

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