cena de rua

Ontem vi uma cena que me marcou durante o cair da noite.

Vinha eu passando pelo centro de Nova Iguaçu, vinda de mais uma reunião da intermunicipal para preparação da Conferência Nacional de Educação.

Estava cheia de meus afazeres.
Estava cheia de minhas preocupações.
O dinheiro desse mês não vai dar.
Banco no vermelho.Contas e mais contas.
Crédito maior do que o débito,
e ainda o desejo incômodo de comprar uma sapatilha nova e quem sabe...

Quando viro a esquina da Catedral de Santo Antonio, observo uma multidão na rua, e alguns carros da polícia parados.
-Atropelamento? eu pergunto.

E entre os transeuntes, o caos no trânsito, pegadas sangrentas por toda a rua, vou montando o enredo do acontecido.

Dois meninos de rua brigaram e um matou o outro com várias facadas no coração.

O pezinho sujo e sangrento era a única parte que aparecia do corpo coberto com sacos plásticos. Ao lado do corpinho inerte, uma caixinha de lustrar sapatos.

Os policiais chegaram e riram de alguma coisa que alguém falou. Absortos, sequer levantaram o plástico para ver o rostinho da criança morta.

Era um menino de rua.
Um engraxate,
Viciado.
Arruaceiro.
Teve o que merecia.

Provavelmente, a mãe nunca ficará sabendo que ele morreu.
_Fulano? sumiu no mundo....

A mãe do outro, do que matou, tampouco ficará sabendo que o seu filho, num átimo de profunda violência, tirou a vida do colega com tanta vontade de matar, que arrancou um pedaço do coração deste.

Uma cena de rua.
Uma criança morta.
Abandonada na vida.
Indigente na morte.

O menino que matou, saiu em disparada, perdido, drogado, desbaratinado, sabe-se lá o que fará por estes dias, por estas semanas, por estes anos em que crescerá como um assassino.

Fiquei muito deprimida.

Achei tudo triste de doer. Não consigo pensar nessas crianças de um modo que não seja com uma ternura desgraçada, um terror amoroso, uma responsabilidade que me petrifica.

O pior é ter a certeza que aquele pezinho preto de asfalto não estaria ali, se ele tivesse tido oportunidades reais de uma vida digna.

A única coisa que posso desejar agora é:-Vai na paz, anjo.

Comentários

  1. triste demais. pensar que isto é a rotina de tantos seres... é um Deus nos acuda, é um salve-se quem puder.

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  2. Infelizmente poucas pessoas tem tamanha sensibilidade para em meio ao cotidiano embrutecido relatar esta triste realidade de maneira poética e crítica. tal relato mostra a falência humana que vivemos, lamentável!

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