o mar


Estava lendo o Caderno Prosa e Verso de hoje e dei de cara com uma entrevista da Ana Maria Machado comemorando os 40 anos da sua literatura.
Que maravilha né? Quando crescer quero ser igualzinho a ela.
Mas teve uma coisa que me tocou na sua entrevista, que na verdade, era sobre o lançamento do seu primeiro livro de poesias, que tem como tema:O mar.
O que me tocou, foi o fato da Ana ter dito que o seu grande espanto era conhecer alguém que nunca tivesse visto o mar na vida, já que ela havia sido criada desde que nasceu bem pertinho do mar.
Aí eu fui longe.
Me lembrei da primeira vez que eu, vi o mar.
Eu devia ter uns seis anos, e saimos da casa da minha avó em Cascadura, apertadas no banco de trás do fusquinha ferrugem do Tio Mano: Eu, minha irmã, minhas duas primas e minha madrinha. Fusquinha tem dessas coisas né?
É igual coração de mãe.
No banco da frente, no colo, tia Nancy carregava aquilo que seria o nosso almoço na praia: Frango com farofa e maionese,e mais pratos, copos, toalhas,refrescos e etc.Um verdadeiro farnel de domingo.
E lá fomos nós.Destino:Barra da Tijuca.
Eu e minha irmã, éramos as primas pobres, moradoras da baixada, filhas do mato,campeãs de gude, de subir em árvore,de soltar pípa, correr atrás de marreco e pato...
Mas de mar nós não sabíamos nada.
Eu sequer fazia idéia do que era praia, só soube quando cheguei lá.
E quando vi, achei bonito, mas fiquei com um medo danado de ver tanta água.
O sol também não compareceu.
Sol tem dessas coisas, pode tá tudo ruim na vida, mas um dia de sol, é um dia de sol.
Ainda mais no Rio.
Portanto, o dia nublado ajudou bastante na minha má impressão.
E aquele mar da Barra batendo forte, a paisagem selvagem e deserta, sem suas atuais mega construções, seus bares fashionistsa, camelôs, barracas coloridas, vendedor só de sorvete(isso era bom, olhando daqui), deu um tom a mais, quer dizer, a menos.
E sabem,hoje eu sei que ver o mar pela primeira vez é uma experiência tão forte quanto escrever um livro, fazer um poema pela primeira vez, o primeiro beijo, a primeira transa, o primeiro porre de vinho.
Ou seja: Você nunca esquece.
Me lembro de olhar de uma lado para o outro e a água não terminar.
O cheiro, o som das ondas,aquele grande mistério a ser enfrentado fizeram minhas pernas tremerem.
Sempre fui quietinha no meio de pessoas que não tenho intimidade, e meu silêncio me fez ficar ali, ensimesmada, esquecida pelos adultos,enquanto minhas primas e minha irmã desafiavam aquele mundão cinza e barulhento.
Até que meu tio me olhou e estragou tudo.
Ele me pegou a força pela mão e me levou até ele.
E ele era tão assustador e complexo, tão salgado e frio, tão diferente de tudo que eu já tinha visto ou ouvido que falar, que chorei.
Chorei tanto que nem sei.
Meu tio inconformado com minha brejeirice infantil, com minha bicheza do mato, só me tirou de dentro da água quando eu entre pontapés e solavancos já não conseguia mais chorar e nem abrir os olhos vermelhos de tantas lágrimas e sal.
De volta a areia, cansada de tanto gritar e fazer escândalo, humilhada pelo escárnios dos veteranos veranistas,toda molhada, vestida com meu simples shorts e camiseta( eu não tinha biquini nessa época), eu jurei a mim mesma que nunca mais, nunca mais eu veria esse tal de mar.
Pouco tempo depois, pelas mãos do meu pai, voltamos na mesma Barra deserta e selvagem, e no seu colo, com carinho e paciência eu enfrentei o dragão.
Ninguém mais que meu pai amava o mar.
Assim como a Ana Maria, o mar também era um velho conhecido seu.
E meu pai me mostrou o quanto na vida tudo pode mudar. E pra melhor.
Eu descobri.
O mar era doce, e me fazia flutuar nas suas ondas, e eu brincava de esconder, corria delas,mas elas iam e viam e faziam meus dedos gelados afundarem na areia.
Aí ficamos amigos.Eu e o mar.

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