Quando me foi posto o convite pela Secretária de Educação de Japeri para participar da implantação da lei 10.639/03 , fui tomada por um certo receio.
Fiz todo um exercício de memória sobre o assunto de negritude. Estava em conflito. Receio de alguém olhar para mim e dizer: O que uma branca pode entender de negro?
Afinal, a lei trata da obrigatoriedade do estudo da história da áfrica, dos africanos e afro-descendente no conteúdo escolar.
Minha resposta foi rápida. Militei durante 22 anos em Direitos Humanos, e a causa dos negros, me era muito cara, militei inclusive, durante algum tempo, no Movimento Negro XX de Novembro em Nova Iguaçu. Então, o tema não era nenhuma novidade para mim
De um certo modo , me sentia preparada para assumir a discussão, apesar de...
Apesar de ser branca.
E nesse exercício de memória fui descobrindo em mim mesma a minha África.
E a vi muito de perto.
Primeiro estreitei meu entendimento de mim mesma enquanto branca. E não foi surpresa nenhuma me descobrir mestiça como a maioriados brasileiros.
Minha familia é étnica de um fio de cabelo a outro.
Fui criada numa casa entre tias “pardas”, tios sararás, tio negro, foto de avô negro pendurada na sala, um homem bonito: calvo e de lábios grossos.
Não foi difícil me olhar no espelho e ver meus olhos puxados herança bonita de minha bisavó índia caçada a laço no Ceará. Não foi difícil reconhecer minha bisavó Isadora mãe de meu avô, negra escrava, dentro de mim.
Fui criada entre a missa e o congá, reverenciando Jesus, meu pai Oxalá, Oxum,
Nossa Senhora Aparecida, Ogum , e sonhando com minha seria, minha Sereia Iemanjá.
As reminiscências de família são guardadas pela minha mãe que completa 80 anos em 2007, o que me fez ver que a escravidão de minha bisavó, minha tataravô, ainda são muitos recentes, pois apenas 119 anos nos separa da degradação humana da escravidão, da humilhação de seres humanos como a minha bisavó.
Estava pronta para dentro de mim mesma, construir o quer que fosse sem precisar dar explicação a ninguém: nem a brancos, nem a negros,
Vinte anos depois de um trabalho extenuante em direitos humanos e três gerações Percebi que estava pronta para criar dentro da Secretaria de Educação de Japeri, o Núcleo de Diversidade étnico racial e de Gênero e implantar um programa de educação e diversidade.
E essa certeza é que me dá forças para continuara implementar o trabalho já que as resistências são enormes.
Descobri nas escolas um preconceito feroz contra a implementação da lei 10.639/03. Alguns professores, acreditam que os alunos, descendentes de negros em maioria, não precisam saber de história da África, basta a eles conhecerem a história de seus antepassados em uma página dos livro didático no capitulo ESCRAVOS.
Ou então que é um conteúdo a mais para darem, e eles já estão cheios de conteúdos. Esse é apenas mais um. Estes professores não conseguem perceber o alcance da grande inclusão da lei 10.639, na formação da cidadania do alunos negro e brancos
Uma outra grande maioria de professores protestantes não aceitam discutir coisas de negro, pois relacionam negro com a fé a negra , e a fé negra são representadas pelas as religiões de matrizes africanas candomblé e a umbanda que são rechaçadas como coisas diabólicas.
Esses profissionais se esquecem que a escola é laica, mas que sobretudo a religiosidade de cada um deve ser respeitada, e que as religiões afro brasileiras são uma herança cultual magnífica, negra em toda sua essência, respeitosa e respeitável.
Descobri que os alunos entendem bem o que seja preconceito. Pequeninos e adolescentes negros sabem que são negros mas não se orgulham disso. Não gostam de falar de questões de cor da pele.Ainda mais de pele negra.
Essa questão foi melhor entendida por mim, na performance feita por um amigo, ator negro que atuou na I Semana da Consciência negra do município Marcos Serra. Ele dizia que quando era menino seu maior sonho era ser branco, porque estava cansado de ser comparado a bicho.
Tiziu. Macaco. Bicho. Negro.
Que dor! Que dor pensar que um aluno meu possa passar pela mesma experiência do Marcos.
Graças aos deuses, ele consegui transmutar essa dor para o teatro. Mas, nossos alunos também conseguirão?
Que dor pensar que a cor da pele de uma pessoa faça com que se percam as identidades, que gere tanto ódio, que os meninos tenham vergonha de ser quem são.
Por isso a lei 10.639/03 é importante demais. Porque fará com que nossos meninos e meninas tenham uma visão positiva de si mesmo. Terão sua ancestralidade reconhecida como protagonistas da história, e não como meros coadjuvantes desnecessários.
Estou colocando muito do que acredito neste programa.
Estou me colocando a serviço de uma educação anti-racista e anti-preconceituosa.
Gostaria muito que essa lei fosse um instrumento real de reparaçao para o grande preconceito vivido pela população negra neste país.
Gostaria muito que nossoas alunos, crianças, jovens e adultos sintam que sua etnia é valorizada, respeitada, entendida.
E quem sabe , um grande sonho: De que esta lei abra mentes e caminhos para um apoderamento e pertencimemto da etnia negra começada por tantos brancos e negros ilustres como o insubstituível Abdias do Nascimento que ainda faz, incansavelmente, em seus noventa e poucos anos de idade políticas de ação anti-racista.
Que venha a lei 10.6739/03 e que o governo brasileiro tenha força para fiscalizar sua implementação nos estados e municípios.
Que venha a lei 10.639/03 não com a força da chibatada.
Mas com a Força da História e do conhecimento socialmente produzido e reconhecido pela sociedade.
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