segunda-feira, 14 de abril de 2008
Sobre Pensões e Ditadura
(A mãe de Edson disse que não foi ao enterro do filho por "absoluta falta de recursos")
Estive fazendo um chech-in na memória para poder ver se eu fui prejudicada na minha vida pela ditadura e poder ganhar com isso uma pensão vitalícia pelos meus prejuízos materiais.
Bem, recorri aos meus documentos e infelizmente não há nada que conste por escrito de danos sofridos por euzinha.
Mas será que danos emocionais e intelectuais contam?
porque aí tenho alguns:
1-ficava muito impressionada quando era pequena com a cara do Médici, do Geseil e do Figueiredo. Do Delfim eu moria de medo.
Sempre quando eles apareciam na televisão uma aura ruim os perseguia. Eles tinham uma carranca tão feia e pesada, que eu achava que eles não eram deste mundo.
Por muitas noites suas figuras patéticas entraram nos meus sonhos para me pertubar.
Eu achava que de uma maneira ou de outra eles iriam acabar com a minha vida;
2- sou da geração " de um país que vai pra frente" , literalmente a geração do futuro. Isso me prejudicou bastante, porque fizeram uma lavagem cerebral na minha cabeça e eu quase acreditei.
Fui salva anos depois, graças a Deus, pelo Renato Russo, e me tornei uma cidadã da Geração Coca-cola( graças aos deuses);
3-acreditei durante anos que os contéudos de Moral e Civica e OSPB eram a única verdade brasileira. Inclusive tinha uma enciclópedia na minha casa, vendida pela própria escola, que colocava tanto medo na gente dos comunistas, que eu tinha sonhos horríveis que ia ser comida por um deles assim que fechasse os olhos;
4- não pude conversar de politica com meu pai,nem dentro de casa,afinal as paredes tinham ouvido.Víamos o jornal nacional calados, com meu pai fazendo caras e bocas e dando pequenos resmungos cada vez que o Delfim aparecia com um novo plano. Perdi anos de minha vida inteligente e de altos papos com meu pai, um homem inteligente que morreu sem que eu tivese conhecido realmente suas idéias sobre o Brasil;
5- Um dia, em meados de 1977, fazíamos a olimpiadas intercolegiais no 13º PBE Na Barão de Mesquita( morei nessa rua durante anos), que era prisão de presos politicos,me parece que até o Rubens Paiva esteve por lá,quando ouvi alguém sussurar que no subsolo ficavam os comunistas presos.
Quando soube disso quase desmaiei no sol do meio dia,fiquei tão perturbada com isso, que não me concentrei para disputar meus jogos.
Minha irmã levou a medalha de volei pra casa e eu, uma pergunta:_pai o que é preso politico?
Ele olhou pra mim e para os lados, afinal estávamos num lugar público, e me respondeu que depois a gente conversava.Mais noites de pesadelo.
6-perdi horas da minha vida vendo horário eleitoral gratuito. MDB e Arena. Ouvi anos e anos de mentiras e discursos sem nenhum critério. Graças aos resmungos do meu pai, eu não acreditei em nada daquilo. Sabia que tinha alguma coisa errada ali.
7-me fizeram cantar durante anos, todos os hinos possíveis e imaginários: hino nacional, hino à bandeira, hino da marinha, do exército e aeronáutica. Isso fez mal para a minha mente. Nunca mais consegui esquecê-los.
8-Em meados dos anos 70,ganhei da minha tia Ecy, uma caderneta de Poupança Delfim para quando eu crescesse ter um dinheirinho.Eu cresci, cadê o meu dinheiro? .
9-Vivíamos com medo de tudo e de todos , e nem sabíamos o porque. Não me admira ser hoje uma pessoa deprimida
Como podem ver meu os danos não são externos. Não perdi promoções, nem parentes, nem o que eu poderia ter sido e não fui.
Meus danos são internos, são emocionais.
Meus danos foi ter crescido num país pobre, sem esperança, que me alimentou de medo e inverdades.
Que me ensinou que devemos ter medo do novo, do desafio.
Um país que me ensinou o que é perseguição, injustiça, que me ensinou a conviver com a miséria de muitos e a riqueza de poucos.
Um país de projetos enganosos como o MOBRAL, onde os sonhos de consumo dos meus amigos era ser chamado para o Projeto Rondon.
Isso foi o que me lembrei.
Fui uma criança e uma adolescente interrompida.Eu e milhares de jovens da geração sujismundo.
Mas, o que mais me indigna nessa história toda de indenizações e pensões milionárias, foi ver 40 anos depois,a mãe do Edson Luis(símbolo da luta pela liberdade)vir do interior do Pará, para uma inaguração de uma simples estátua de lata( me perdoe o artista, não pretendo aqui desprezar o valor artistico da obra), sem direitos a nada, apenas à uma homenagem.
Homenagem não paga conta, não enche barriga, não trás o filho morto de volta.
Maria de Belém Souto Rocha teve o filho Edson Luis morto pela ditadura, e eu quando vi a velha senhora de 84 anos chegando no aeroporto e depois nas homenagens, chorei muito.
Pobre dos dois. Pobre de nós.
Só conseguia pensar:Deixem o Edson Luís descansar em paz!
Agora vamos pensar:Será que ter o filho morto é menos do que ser perseguido, do que ter a evolução de uma carreira interrompida?
Quanto D.Maria de Belém recebe de pensão por mês?
Qual foi o valor da sua indenização mesmo?
O Brasil te deve D. Maria de Belém. E muito.
O Brasil deve ao Edson e não poderemos jamais pagar essa conta.Sinto que até hoje, o Edson deve se perguntar : Por quê? por quê eu morri?
Essa indenização pela morte do Edson, um inocente, eu pagaria, sem medo de ser feliz.
Aliás, depois de tudo isso que foi dito, estou pensando seriamente em cobrar o meu quinhão na luta pela redemocratização deste pais.
É que de novo não tive juventude. Fiquei enfiada em reuniões e atos públicos sonhando e lutando por essa tal de liberdade.
Vou cobrar indenização por mais uma vez ter meus sonhos desmoronados.
Dessa vez com um forte agravante.Estão tentando fazer tudo de novo.
Os prejudicados da vez são os meus filhos.
Até quando as crianças e adolescentes de todas as gerações deste país,serão obrigados a conviverem com mentiras, injustiças, podridão, falta de esperança?
Só para complementar:
"Governo federal pedirá ao Pará que ajude mãe de Edson Luís
Chico Otávio - O Globo-28/03/2008
RIO - O secretário especial de Direitos Humanos da Presidência da República disse nesta sexta-feira, no Rio, que pretende conversar com a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, sobre a possibilidade de concessão de auxílio do governo paraense à dona de casa Maria de Belém Souto Rocha, mãe de Edson Luís, estudante secundarista morto há 40 anos por um tiro disparado por um aspirante da PM no Restaurante do Calabouço.
Ele explicou que, dificilmente, o governo federal terá como atender o pedido de Maria de Belém - ao embarcar para o Rio, para homenagens ao filho, ela comentou que "mais do que uma estátua para o Edson, gostaria mesmo é que o governo desse uma pensão vitalícia para viver os últimos anos de vida sem aperreio".9(grifo meu)
Como ela já havia recebido uma indenização federal de R$ 130 mil, usada na compra de uma casa e na ajuda aos seus outros três filhos, Vanucchi disse que a concessão de novo benefício poderia gerar problemas, pois outras pessoas já indenizadas acabariam reivindicando o princípio da isonomia. Por isso, a ajuda do Pará seria uma alternativa. Vanucchi e Maria de Belém foram os principais convidados do ato de inauguração de um monumento em homenagem a Edson Luís, na Rua Santa Luz"
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