14 de maio de 1888, o dia seguinte.




Hoje fazem 120 anos do dia seguinte à Abolição da Escravatura...
Ontem não havia nada para comemorar, hoje faço questão de refletir.

14 de maio de 1888.

Este conto é para minha tataravô Isidora, que forçosamente fez a travessia de África para trabalhar numa fazenda de café em Vassouras. Á você tata, que iniciou uma linda família com a sua diáspora.

Então ontem foi o dia em que tudo se acabou.
Minhas mãos ainda ardem, meu corpo está marcado pelas chagas que nunca param de sangrar.
Mas ontem tudo terminou.
Ainda hoje há regozijo pelas ruas, o povo brinda a liberdade, as tabernas estão cheias de homens brancos que tomam vinho,,,,
Mas bem ao lado uma pobre mãe negra dorme ao relento com seus três filhos.
Saiu da fazenda que fora escrava durante toda sua vida, achando que a liberdade ia lhe dar um teto e três pratos quentes de comida de uma hora para outra.
Ontem perambulava pelo paço e vi quando sua augusta alteza chegou. De longe, pude ver as damas e os senhores que a aguardavam, todos muito bem vestidos.
Fiquei de longe assistindo as comemorações e depois caminhei até a rua do Ouvidor onde senhoras bem elegantes, faustosas e, cavalheiros garbosos vez e outra davam brados à liberdade.
Queria algo mais que sorrisos e gritos.
Aceitaria de bom grado um pão dormido.
Queria que algum me ajudasse a encontrar os meus filhos, que
estão perdidos.
Não sei para onde foram.
Não sei para onde ir.
Acabadas as danças e capoeira, abaixada a quantidade de cachaça no cérebro, todos ficarão como eu.
Sem ter para onde ir.
Todos os outros, os homens livres e brancos voltarão para suas casas, pois a tem.
E muitos como eu, estarão dormindo nesta praça onde ontem vossa alteza real brindou com satisfação a glória mais pura da abolição.
Pensar no futuro, foi o que nos pregaram os abolicionistas .
Bons senhores. Lutaram por nós contra todos.
Mas e agora?
Em todos os pontos que olho a escravidão persiste.E tenho medo, pois nada foi feito por nós...
Mas, liberdade tem cheiro. Posso senti-la vindo do mar.
Quero voltar para África.
Será que alguém, em nome da augusta liberdade, me mandaria de volta?
Trabalhei tanto forçadamente, vi minhas mulheres mortas e amigos marcados pelo açoite.
Presenciei meus próprios filhos pendurados pelas vísceras.
Fui chamado de animal e tratado como tal.
Mereço minha África, a minha verdadeira liberdade.
Por enquanto vou esperar.
Talvez mais alguns dias, vossa augusta alteza traga novidades.
Quem sabe pedaços de terra boa pra plantar, quem sabe um navio para atravessar kalunga?
Vou esperar mais alguns dias. Sentado na calçada da rua do Ouvidor.
África...pra que lado será que fica?
Dizem que dá pra chegar nadando...kalunga....aquelas correntes eu jamais esquecerei...minha carne jamais esqueçerá....
Inda bem que meus netos não passarão o que passei.
Ainda bem que no futuro, a liberdade, será nosso reconhecimento por tudo que nós, escravos fomos e fizemos por este pais
E meus netos serão considerados quase reis
Como em áfrica....
Hoje faz apenas um dia que nossa liberdade aconteceu.
Mais uns dias e tenho certeza que tudo será diferente e essa multidão de negros que caminha a esmo saberá para onde ir.
Terá um lar e uma terra reservada.
A imperatriz, dizem, é muito boa.Já nos deu a liberdade .
Ela não nos virará as costas.
Nossos corpos estão cansados, mas me recuso a morrer.
Vou adiante.
E amanha a liberdade terá um gosto menos amargo em minha boca.

JORNAIS DA ÉPOCA:

O Carbonário - 16 de maio de 1888

"Está extinta a escravidão no Brasil. Desde ontem, 13 de maio de 1888, entramos para a comunhão dos povos livres. Está apagada a nódoa da nossa pátria. Já não fazemos exceção no mundo.

Por uma série de circunstâncias felizes fizemos em uma semana uma lei que em outros países levaria nos. Fizemos sem demora e sem uma gota de sangue. (...)

Para o grande resultado de ontem concorreram todas as classes da comunhão social, todos os partidos, todos os centros de atividade intelectual, moral, social do país.

A glória mais pura da abolição ficará de certo pertencendo ao movimento abolicionista, cuja história não é este o momento de escrever, mas que libertou províncias sem lei, converteu ambos os partidos à sua idéia, deu homens de Estado a ambos eles e nunca de outra coisa se preocupou senão dos escravos, inundando de luz a consciência nacional.(...)"

"Em todos os pontos do império repercutiu agradavelmente a notícia da promulgação e sanção da lei que extingüiu no Brasil a escravidão. Durante a tarde e a noite de ontem fomos obsequiados com telegramas de congratulações em número avultado e é com prazer que publicamos todas essas felicitações, que exprimem o júbilo nacional pela áurea lei que destruiu os velhos moldes da sociedade brasileira e passou a ser a página mais gloriosa da legislação pátria."

"O júbilo popular explodiu ontem como bem poucas vezes temos presenciado. Nenhum coração saberia conter a onda entusiasmo que o inundava, altaneira, grandiosa, efervescente.

Desde pela manhã, o grande acontecimento, que será sempre o maior da história brasileira, agitava as massas e as ruas centrais da cidade e imediações do senado e paço imperial tinham festivo aspecto, constante e crescente movimento de povo, expansivo, radiante. Era finalmente chegado de atingir-se ao termo da grande conquista, campanha renhida, luta porfiada, sem tréguas, em que a parte honesta da população de todo o império se tinha empenhado desde há dez anos.O decreto da abolição tinha de ser assinado e para isso reuniu-se o senado extraordinariamente. (...) É inútil dizer que no rosto de toda gente transparecia a alegria franca, a boa alegria com que o patriota dá mais um passo para o progresso da sua pátria. Fora como dentro o povo agitava-se irrequieto, em ondas movediças, à espera do momento em que se declarasse que apenas faltava a assinatura da princesa regente para que o escravo tivesse desaparecido do Brasil. (...)

Logo que se publicou a notícia da assinatura do decreto, as bandas de música estacionadas em frente ao palácio executaram o hino nacional, e as manifestações festivas mais se acentuaram prolongando-se até a noite. O entusiamo popular cresceu e avigorou-se rapidamente, e a instâncias do povo Sua Alteza a Princesa Imperial assomou a uma das janelas do palácio, em meio de ruídos e unânime saudação de mais de 10.000 pessoas que enchiam a praça D. Pedro II. (...)"

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