Rituais


E então a luz venceu a escuridão e ela saiu daquele porão seco que habitava há muitos anos.
Tomou um banho gostoso, raspou as pernas e debaixo dos braços.
Lavou os cabelos e massageou suavemente o couro cabeludo numa mensagem erótica, tresloucada, necessitada...
Queria sentir um toque, mesmo o seu lhe cabia bem,porque seu corpo explodia numa necessidade insana.
Ela toda era impulso. E pulsava...
Adorava esse ritual de preparação.
Adorava sair de dentro de sim mesma, adorava ir se compondo numa melodia completa...
Bem devagar se enxugou e, num átimo de segundo sentiu sua pele como ele a sentiria...
macia, levemente aveludada...
Até a cintura mais redonda não a amendrontou.
Não era mais uma menina, nem atriz, nem modelo e muito menos a Barbie.
Só por hoje resolveu acreditar em todas as entrevistas que já ouviu, em todos os artigos de revistas femininas que já leu, que os homens não se importam com gordurinhas localizadas e nem sabem do que se trata quando o assunto é celulite...
Ela nunca acreditou nessa mentira deslavada, mas hoje precisava dessa mentira mais do que tudo no mundo.
E a teria porque não estava disposta a abrir a porta pro medo, pra insegurança, pro vazio que há muito a habitava, levando-a por labirintos sem saída.
Vestiu-se.
Escolheu a roupa íntima com certo prazer sádico, sim, pequena, preta, indecente, imoral, para poder mostrar pra si mesma e para ele que estava viva e que amava a sedução escondida nos pequenos detalhes.
Sabia ser mundana de si mesmo. E sentia-se bem com isso.
Em troca, só esperava sensibilidade.
Esperava que ele notasse os sinais.
As unhas dos pés pintadas de vermelho, os olhos com cajal preto,os cabelos com cheiro de maçã, o hálito fresco,o anelzindo de prata no dedo médio do pé...
E a boca entreaberta...
Não fingindo murmúrios..
Mas pedindo, implorando, querendo, tudo que ele pode lhe dar...
Desprezando pontos de interrogação... buscando, querendo, dando e tomando....
Ela não sabe se quer ou não apenas uma noite e nada mais.
Mas ela sabe que nasceu para o amor..
Nasceu para abrir as pernas e deixar que a hora em que a pequena morte lhe invada seja santificada...
Sim ela está preparada.
Calça os sapatos. Altos.
E coloca o perfurme em todos os lugares possíveis, menos naqueles que possam macular seu cheiro natural, aquele que fica marcado na pele do outro, na boca do outro, nas mãos, nos cabelos, nos lençóis...
Abre a porta.
O vento frio do corredor quase a faz desistir.
Mas ela não pode mais ceder ao temor.
Sua mente está cheia de pequenas indecências, que precisam ser satisfeitas,sua cabeça não para de pensar que como uma criança, hoje ela vai brincar e se lambuzar à exaustão.
E se de manhã, por aventura do destino, ele ainda for um príncipe, ele beijará seus pés, e de mãos dadas, vão sair pra ver o nascer do sol.
Senão,cai a cortina e a vida, que é sempre bela, continua....

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